POEMA DE AUSCHWITZ:
DO ÓDIO E DA ESPERANÇA
DO ÓDIO E DA ESPERANÇA
I
Eu esperava ansioso para ir a Jerusalém, mas não é tão simples
nem tão fácil chegar a Jerusalém. Muitos homens tentaram – e não conseguiram.
Muitos homens ficaram à distância e não visitaram Jerusalém!
e
então
D'us
chamou
hasatan
e lhe perguntou:
de
onde vieste?
de rodear
a terra,
respondeu
hasatan,
sorridente
II
A saudade e a lembrança pressupõem a presença de pessoas, ávidas
pelo conhecimento, ávidas pela luz e pelo momento em que tenham um estado de
Shalom pleno e continuado. Mas, precisamos de desprendimento, da solidariedade,
da consciência e responsabilidade com o que temos nas mãos. Em uma delas, a
Torá; e na outra, a Poesia! Por que a surpresa, se amar e ensinar estão dentro
de um contexto da mesma natureza e substância?
Amar é um estado em que um relacionamento se concretiza para o
crescimento, para o fortalecimento, para germinar humanidades inteiras e
desabrochar para a vida, para a alegria e para descoberta da nossa própria
alma, singular e plena! Amar não é ter ou possuir, escravizar ou pendurar na
parede, seja uma cabeça ou uma fotografia. Amar é lançar o outro adiante, na
luz e nos processos de libertação. E, assim, na constância, convertê-lo em TU!
Amar não é um procedimento idolátrico, diante de um deus grego ou romano, mas
uma descoberta, uma realização, uma libertação, uma unção...
III
Por um pouquinho falaremos mais sério. Depois, voltaremos
debochadamente a sorrir, rir, brincar e dar gargalhadas. Não, não é necessário
ser sério em todas as horas do dia. Não gosto mesmo de ser sério e, menos
ainda, em todo o tempo. Não me faz bem essa seriedade continuada, porque a vida
vai ficando pela estrada, e as pessoas vão ficando um pouco amedrontadas, um
pouco distantes...
IV
As pessoas em quaisquer situações são caras demais, valiosas
demais e preciosas demais. È possível sorrir e às vezes até gargalhar. A Torá é
alegria, e vida, humanamente vida! Afinal são seus filhos e são meus filhos. É
o futuro deles que se pretende garantir com as luzes da Torá.
V
Por isso mesmo, as coisas parecem mais fáceis, mas não são! A
constante intensidade em tudo traz ânsia de vômito. Pois a vida nos impõe isso
mesmo: lutar pelos livros, cada um deles, pelo espaço e pelo conceito de
dialética (contra preconceitos) pelos minutos e, ainda, tentar manter o
sorriso. Às vezes vem a vontade de vomitar ou de abandonar tudo, e ir para o
campo, cuidar de flores, animais, ver a chuva, o sol e ter alguma sensação de
paz.
VI
Eu tenho vontade de vomitar... Porque olho adiante, e vejo e mar
e o deserto. Um grande mar e, além, um causticante deserto, diante de mim, no
caminho de todos – AUSCHWITZ:
venho
do
abismo
e profundezas: hades
onde há ranger de dentes
enxofre-resíduo-asfáltico
onde as almas se largam
e não há dor nem frio
não há sede nem fome,
apenas calor de infernos somados
que seca lágrimas remanentes
e as almas
se alargam
e se transfiguram
e se afiguram a coisas
que diluem
eu
venho
de
lagos-densos-desoxigenados
de
fétidas-misturas-fixas
onde não há
coisa alguma
e não se enxerga o azul
e não se ouve qualquer canção
e não se toca com a pele
e não se cheiram perfumes
e
não
se saboreia o mel
a fruta-leite-verdura
apenas
caindo
VÊESCUTAAPALPACHEIRARUMINA
o fedor de cadáveres abandonados
o desgosto de abismos
do delírio-cancro-inserto
nos
incertos-certos
coturnos engraxados no ódio.
E penso comigo: como atravessar o mar e o deserto? Mas, eu vi, à
distância, que todos estavam bem, divertindo-se e cantando, e eu queria apenas
um pouco de água para aliviar minha boca seca e salgada... Apenas um pouco de
água, e nada mais, para que eu pudesse atravessar o mar e enfrentar o deserto.
Fiquei espantado que não encontrasse quem me desse um pouco de água, apenas um
pouco de água... Com a boca salgada, com os olhos salgados, diante deste mar –
que eu vejo.
VII
Precisarei unir os dedos. Preciso proferir uma Brachá. E em troca terei forças, terei saúde, terei energia, terei vigor e levantarei as mãos. Poderei, quiçá, abençoar mil gerações.
Nunca mais
caminharei trôpego
e pesadamente aborrecido
desaparecido nos corredores
solitário
cabisbaixo
retardatário!
Nunca mais esconderei
a face
em lágrimas tantas
sob a manta do fracasso
envelhecido
alquebrado
esquecido!
Eu irei,
certamente irei,
banhar-me ao sol do novo tempo
descobrindo o corpo renovado
e rirei com os lábios,
com o abdômen
e com os olhos
caminhando entre multidões
e cantando
e pulando
com peito erguido às conquistas!
Acordarei bêbado de felicidade
e beberei feliz
brindando na alvorada
o
novo
dia.
© Pietro Nardella Dellova. “A Mulher Que Me Encontrou em Napoli:
Acerca dos Lábios Salgados e Água Fresca”, in A MORTE DO POETA NOS PENHASCOS E
OUTROS MONÓLOGOS. Scortecci Editora, 2009, pp. 139-149 e 249.
NOTA: Partes do texto acima
havia sido publicado primeiramente no meu livro ADSUM. Scortecci Editora, 1992,
p. 96. O manuscrito original em italiano, de 1990, tem o nome de AUSCHWITZ: DELL'ODIO E DELLA SPERANZA.
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