DA POESIA E DO POÇO
Um dia, muitos anos faz, encontrei um jovem estudante, acompanhado de uma (sua) bela colega, em uma Faculdade de Direito.
Eu chegava ao topo de uma escadaria e lá estavam eles!
Então, ao me cumprimentarem, sorridentes, ele me perguntou como acontecia a “poesia” e, com olhos iluminados de uma bondade apenas possível a algumas almas, esperou ansioso alguma resposta ou esboço de resposta.
Pensei um instante. O instante em que pensamos resolve multidões de problemas no mundo e estabelece as bases de alguma experiência humana.
E neste instante que separou o último som da pergunta ao primeiro da resposta, instante de ida e vinda pelos espaços siderais, pelos buracos na terra, pelas dores do mundo, pelo barro de que somos feito, vi-os ainda sorridentes!
Perguntas assim são feitas por quem começa a escrever e quer desvendar o mundo, por isso mesmo, quanto melhor informado, melhor amparado ou aconselhado, por quem já esteja lá, afogado ou mergulhado entre letras, voando ou se arrebentando entre palavras, desafiando métodos e escolas, aborrecendo aos moralistas com sinestesias verbais ou aos religiosos com rupturas internas.
São perguntas que exigem o instante! O ar e a suspeita de não matar nem esmagar quem quer que seja. A “poesia” é perigosa. Não me refiro a poemas de amor frustrado ou a odes de tristeza romântica, nem mesmo a jogos de palavras penduradas nos varais escolares, com direito a rimas ricas ou pobres e versos alexandrinos em número de soneto, sejam italianos ou ingleses. Não, não me refiro a isso!
Pensei no exato momento do instante naquilo que seja capaz de dar organicidade aos elementos naturais, arrebentar conceitos e preconceitos amarelados, dogmas religiosos, desatinos políticos (de esquerda ou de direita). No elemento que, embora anárquico, é capaz de dar ritmo e cadência.
Aquela pergunta era nova para mim, completamente nova. Alguém estava me perguntando sobre ‘poesia”, sobre o que me queimava e me conduzia, sobre o que me mantinha acordado, sobre o que me tornava atrevido, e me lançava ao espaço de todas as agressões. Poesia é agressão! É grito, urro, murro no escuro, mergulho na profundidade do mar, vôo na imensidão! Poesia é a língua – na tinta!
Após este instante descabido, ali mesmo, no último degrau, disse-lhes:
- a poesia é como cavar um poço...
E nem tinha certeza de que eles soubessem o que seja um poço, mas continuei:
- a poesia é como cavar um poço. Poço é o buraco que fazemos, lugar para apenas uma pessoa. Primeiro tiram-se as pedras com a delicadeza de uma enxada e, depois, no riscado circular bate-se forte a picareta, com a força de quem não pode parar! Com os olhos sedentos e a língua seca! E quanto mais se usa a picareta, mais se usa a pá e, assim, quanto mais se usa a pá, mais terra. Inicialmente, terra seca. Depois terra úmida: água e terra. Depois barro marrom. E com o barro e lama, além da pá, são necessários os baldes, as latas, os recipientes. Um encontro de ferramentas e recursos: enxada, picareta, pá, baldes – mas, sempre, com a boca seca e a sede nos olhos!
Eles estavam sorridentes. Continuei:
- e tanto furamos, tanto tiramos terra e barro – e lama – ao ponto de chegarmos ao profundo onde, de repente, estoura o veio de água pura, lavando o peito, o rosto, o corpo todo. Água cristalina, fria, boa, que desfaz a sede dos olhos e cobre a boca de quem, com bolhas nas mãos, barro nos cabelos, passou dias batendo, tirando, furando e, no fundo escuro, encontra-se plenamente justificado. Eis a poesia!
E assim, depois deste colóquio e encontro no topo da escadaria, fomos todos nos cobrir do pó das leis sem causa nem efeito nas salas quadradas e bibliotecas caladas!
© Pietro Nardella-Dellova, in Lettera di Viaggio, 2011
(especialmente dedicado ao Mauro Passos e à Gisele Pereira)
4 commenti:
Lindo texto acerca de poesia e poço, Pietro, quase comparável a um jardim, em que se limpa a terra, se prepara o chão, se umedece o pó, se abrem fileiras e se plantam pequenas mudas de cravos, mudas todas com folhas verdes, mas cada uma em si carrega a semente do cravo vermelho, do cravo branco, do cravo rosa, do cravo lilás, e cada uma carrega seu cheiro de cravo, mas as mudas do cravo, ao ser enterradas na terra preparada, todas são iguais e após a água e o carinho cotidiano em cada muda desponta a flor, desponta o cravo, desponta a poesia... Lindo texto, Pietro... Abraço Afetuoso Isabel Bell
Bravo!
Magistral!
Forte abraço,
Rubens.
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