O POETA, A VOZ, A POLÍTICA
À medida que consumam os seus projetos hegemônicos, as elites passam a ter algum remorso ou até vergonha de parecerem tão alienadas e despolitizantes. Pega mal. E a despeito das alianças que lhes mantém os muitos privilégios, elas então logo se reconvertem a um ativismo vagabundo e performático, feito de declarações genéricas, muito normativismo moral e alguns selinhos fetichistas. Entregam-se a “statements” ordinários e pregações tediosas para um público de apáticos convertidos. Esses espantalhos via de regra erguem-se contra algum mal remoto no tempo e no espaço: o genocídio da Armênia ou o Holodomor na Ucrânia. Mas quando a política, para além do discurso pietista, toca os interesses dessas próprias elites, elas rapidamente passam a sustentar o caráter supraideológico de uma suposta ética da beleza. Para isso, elas se servem dos seus muitos meninos de recados, lançam mão de seus escudeiros aspirantes e bajuladores que têm no cortejo servil e interesseiro o caminho facilitado para mais uma colocação inofensiva. Contra os genocídios do passado, a condenação. Mas contra as máfias locais da cultura, necrosada de nepotismo e corrupta até a raiz, não só o silêncio obsequioso, mas o aplauso e a incrustação permanente. São esses serviçais que reforçam a “politização” superficial, o mais das vezes nascida de uma mixórdia de slogans genéricos em um caldo morno de direitos humanos, sobretudo na versão culturalista norte-americana. Essa torna-se uma política de diferenças sem substrato econômico de desigualdades, sem interesses de classe – por isso sem horizonte de universalização. E subsiste sempre aí uma tentativa de se faturar o político como um charminho a mais, alguma brandura caridosa e altruísta, que se possa traduzir em deslumbramentos por nomes de autores/produtos dessa indústria de seriação das nulidades anódinas. Mas o Poeta, quando o é de fato, não se presta a ser um integrante obediente no coro dos meninos do Capital. O poeta, quando o é de fato, torna-se a VOZ de toda uma estirpe, alguém que se faz merecedor do mandato que os muitos silenciados nem puderam lhe atribuir. O resto é animador de baile e entretenimento passageiro de festinhas privadas.
Marcos Fabiano Gonçalves
Poeta e Professor da UFF
autor do Arame Falado - Editora 7Letras, RJ
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