FAMÍLIA
(
um rápido comentário sobre o desvario parlamentar)
O que é Família?
É muita coisa (e pode ser muita coisa), menos o que a "comissão especial" (da Câmara) definiu no dia de hoje em face do Projeto de Lei n. 6583/2013 (Estatuto da Família). Aliás, como eu já disse em outra ocasião, especialmente, em Artigo para o Programa de Rádio, no Paraná (vide "Congresso Conservador Ameaça Direitos Conquistados"), o "parecer" da Comissão é um atraso, por si só, em relação ao Direito e, em especial, aos Núcleos Familiares. É um retrocesso ao século XIX. É atraso, muito atraso!
Eis um dos retrógrados Artigos do Projeto de Lei n. 6583/2013, aprovado pela Comissão:
(...)
Para os fins desta Lei, define-se entidade familiar como o núcleo social formado a partir da união entre um homem e uma mulher, por meio de casamento ou união estável, ou ainda por comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
(...)
Obviamente que a definição da dita Comissão sequer pode prosperar (no processo legislativo), por várias razões socioeconômicas, mas, por duas legais, tanto de caráter constitucional quanto infraconstitucional, respectivamente, Artigo 5º, XXXVI da CF/88 e Artigo 6º da LINDB (apenas para citar os dispositivos mais expressivos):
"
A Lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada"
Pois bem, já está decidido pelo STF e, portanto, é "coisa julgada", a união entre pessoas do mesmo sexo como Núcleo familiar (desprezado, agora, pela comissão parlamentar e pelo Projeto de Lei n. 6583/2013). Qualquer nova lei não pode repercutir sobre este fato (social e jurídico). É coisa julgada e, mais, estabelecida no Direito que, não entenderam os parlamentares, não pode ser modificada. Não se tiram direitos! Além disso, o "projeto" passado pela Comissão não contempla outras famílias, por exemplo, as recompostas, famílias afetivas (por exemplo, filhos de criação), uniões plúrimas, entre irmãos e, ainda, de uma pessoa só, com visíveis impactos, se aprovado o parecer da comissão, sobre o patrimônio, especialmente, no que respeita à Usucapião e Impenhorabilidade do Bem de Família. Cito apenas o mais básico na ordem patrimonial. Há mais, muito mais, pelo ângulo Previdenciário, Trabalhista, Tributário, Civil, Processual Civil, Penal, Processual Penal, entre outros e, repetindo, CONSTITUCIONAL!
Por outro lado, a "comissão" quer alterar o texto da Constituição? Sim, pois sequer a CF/88, em seu Artigo 226, definiu que "família seja núcleo formado pela união entre homem e mulher", aliás, nem casamento aparece na Constituição como "união entre homem e mulher". O Constituinte de 1987 nem mesmo definiu família (o que fez bem, pois a ideia é aberta). Poderia a lei modificar a Constituição? Na cabeça dos mais retrógrados parlamentares, sim, já que desconhecem a Carta Magna! A CF/88 tratou, acertadamente, a família como base da sociedade (Art. 226), pois é mesmo, sem dispor de como pode ser formada, já que o mencionado Artigo é aberto e já foi objeto de profunda hermenêutica pelo STF, especialmente no que concerne ao alcance de tantas possibilidades.
Família é um setor com o qual o legislador não deveria se (pre)ocupar, pois não se trata de matéria legal (ou que possa ser quadrificada pela lei), mas, ao contrário, para além do alcance legislativo, trata-se de relações de afeto de caráter horizontal e plural. Quando muito, o legislador deve se ocupar com questões patrimoniais, a fim de garantir que os bens sejam protegidos. Não pode o legislador estrangular os Núcleos familiares, definindo "família"!
Sabe o legislador (e sua comissão) o que é "domus"? Sabe o legislador o que é "famulus" (palavra que designa a origem da família entre os romanos)? Sabe o legislador o que é família eclesiástica (medieval)? Sabe o legislador o que é família proletária? Sabe o legislador o que é família afetiva? Não! O legislador brasil-eiro nada sabe disso ou daquilo, apenas quer estabelecer no país seus dogmas "religiosos", "equivocados" e "inconstitucionais".
Enfim, o desvario parlamentar (que parece não ter fim na atual legislatura) anda fazendo estragos no Direito. Por quê? Porque lê o Direito como capítulos e versículos, mas o Direito poucas vezes é "capítulo", aliás, poucas vezes é lei. E nunca, nunca mesmo, é versículo!
Pietro N-Dellova, 2015
Prof. de Direito Civil
Mestre em Direito pela USP
Mestre em Ciências da Religião pela PUC/SP
Doutoramento em curso pela UFF - Universidade Federal Fluminense
Formado em Direito e em Filosofia
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