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ברוך ה"ה







mercoledì 12 gennaio 2022

DIREITO CIVIL E CONSTITUIÇÃO: DIREITO CIVIL EM CHAVE HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL, por Pietro Nardella-Dellova

 

DIREITO CIVIL E CONSTITUIÇÃO: DIREITO CIVIL EM CHAVE HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL (1)

Prof. Dr. Pietro Nardella-Dellova (2)

O Direito Civil desde as suas origens romanas e, em especial, após a Revolução Francesa (1789), manteve um caráter privatístico, sobretudo nos sistemas codificados. Muitos assuntos, entre os quais, o sujeito de direito, os bens, os fatos jurídicos, as obrigações, contratos, direitos reais, sucessões e até mesmo família, foram mantidos em um contexto de direito privado, quase que exclusivamente romano, como ensina Arguello, a redação dos vários Códigos manteve a estrutura e as ideias romanas:

“En efecto, nuestro Código Civil (...) resultó uma obra de contenido esencialmente romano. A través de su articulado y de sus notas se aprecia que una gran masa de conceptos romanos se hallan consagrados em dicho ordenamiento (...)”(3)

 As relações jurídicas, de caráter civil, eram tratadas no sistema privado, e nele mantidas. Mas, esse modelo demonstrou-se esgotado, tendo em vista que, apesar da origem romana, as sociedades contemporâneas não são romanas, e sim multifacetadas, plurais e em plena diversidade. Além disso, não apenas não são sociedades romanas (embora romanizadas!), mas não têm as mesmas bases sociais, econômicas, religiosas e geográficas que aquelas dos romanos.

Por isso mesmo, muitos dos antigos institutos do Direito Romano foram submetidos aos critérios hermenêuticos modernos, critérios esses com valor principiológico constitucional. Não se pode falar em aplicação simples e pura dos institutos romanos sem que os mesmos sejam adequados e entrem em harmonia com a realidade dos tempos atuais

Por exemplo, não se pode simplesmente falar em pacta sunt servanda (princípio da obrigatoriedade dos contratos) sem levar em consideração alguns aspectos: tempo do contrato, tempo da manifestação de vontade e condições socioeconômicas e, por isso mesmo, o princípio pacta sunt servanda, embora continue valendo, é submetido a outro princípio: rebus sic stantibus (enquanto as condições se mantiverem tais como as do momento em que a manifestação de vontade manifestou-se). Ao tempo romano havia certa estabilidade nas relações contratuais, o que não se verifica nos dias de hoje.

 Ademais, tendo havido, como há, um princípio de autonomia de vontade, o mesmo submete-se a outro princípio, agora, supremacia da ordem pública. A vontade não pode ser considerada em toda a liberdade, pois está sempre no contexto social e, neste caso, há uma ordem pública a ser considerada. Some-se a todos os princípios clássicos, o da boa-fé, não mais subjetiva, mas objetiva, ou seja, muito mais próxima do que os romanos chamavam de honest viverem isto é, viver cumprindo o papel social. No dizer de Luis Edson Fachin

“quem contrata não contrata mais apenas com quem contrata, e quem contrata não contrata mais o que contrata; há uma transformação subjetiva e objetiva relevante nos negócios jurídicos. O novo Código traz a função social do contrato e os princípios de probidade e boa-fé.”(4)

             Porém, no avançar do processo de constitucionalização, os direitos humanos de qualquer dimensão ou geração, uma vez conquistados, foram se tornando direitos fundamentais, inseridos no texto constitucional como núcleo (imutável) do projeto constitucional de país. Enquanto o movimento dos direitos humanos continua, sem fim, os direitos fundamentais foram se registrando como conquistas constitucionais.

            Tais direitos dão o caráter do projeto de país que se deseja. Uma vez na Constituição Federal, são direitos formais, textuais. Na medida em que se concretizam, tornam-se direitos concretos. Em outras palavras vão adquirindo um caráter de constituição real da sociedade.  E, neste sentido, conforme dispõe o texto constitucional, tais direitos têm aplicação imediata em quaisquer relações jurídicas, sociais, políticas e econômicas.

            Assim como os direitos humanos foram se cristalizando no texto constitucional, as várias constituições, mormente, após o final da Segunda Guerra Mundial, foram ampliando seu raio de interferência para além da organização política e econômica do Estado, e alcançando setores até então privativos e objeto dos Códigos Civis, como propriedade, obrigações e família.

            No caso do Brasil, a Constituição Federal de 1988, chamada de Constituição Cidadã, abriu um universo de repercussão no direito privado, ora com aplicação imediata, ou seja, diretamente no texto constitucional, ora como fundamento hermenêutico.

            Alguns autores, e juristas, chamam o novo Direito Civil de Direito Civil-Constitucional. Da minha parte, não vejo exatamente um Direito Civil-Constitucional, pois entendo que se mantêm as esferas de cada uma das Leis, mesmo sendo uma delas a Lei Maior, a Carta Magna. Porém, não é possível deixar o Direito Civil isolado, autônomo e autogestivo.

Há, sim, hoje uma hermenêutica expressivamente constitucional, criando-se um tipo de hermenêutica proativa que, entre outros aspectos, leva a uma compreensão constitucional do direito infraconstitucional. Mas, tal comportamento, a que chamo ética constitucional, não é simplesmente uma aplicação de princípios constitucionais como se fossem outros princípios, mas da realização do espírito constitucional. Tepedino defende tese semelhante:

“As relações entre a Constituição e o Direito Civil não podem ser reduzidas, portanto, a um problema de técnica legislativa. E a chamada constitucionalização do Direito Civil não coincide, como pretendem alguns, com uma utilização fugaz de princípios constitucionais por parte da magistratura, enquanto faltavam soluções legislativas específicas. Cabe à  magistratura – agora ainda com mais vigor, tendo em conta a nova codificação – harmonizar as fontes normativas, a partir da compreensão desta imbricação irreversível entre a legislação infraconstitucional e a Constituição, a ser diretamente aplicada às situações disciplinadas pelo Código Civil.”(5)

             Poder-se-ia dizer que o direito civil, mantendo-se ainda civil e privado, não obstante nasce na Constituição Federal e, em movimento dinâmico (o que o difere do antigo direito civil), traz em seus dispositivos as marcas e a substância constitucional. No mesmo sentido, Caio Mário trata de um direito civil constitucional nos seguintes termos:

“Diante da primazia da Constituição Federal, cujos valores se espraiam por todos os setores do ordenamento, unificando-os, os direitos fundamentais passaram a ser dotados da mesma força cogente nas relações públicas e nas relações privadas e não se confundem com outros direitos assegurados ou protegidos por lei.”(6)                              

            É o que se verifica, por exemplo, no caso da propriedade que, ainda sendo mantida sua natureza de instituição privada, ganhou um aspecto constitucional: a função social. A propriedade, garantida no Direito Civil, é também garantida na Constituição, aliás, como direito fundamental, mas ali mesmo, na Constituição apenas se justifica quando anda de mãos dadas com a função social. De um lado, o direito individual; do outro, a responsabilidade social.

            Não é diferente no que concerne ao direito privado empresarial, também criado e desenvolvido na iniciativa privada e na autonomia societária privada. Porém, a iniciativa privada, uma vez que a organização socioeconômica brasileira é liberal e constitucional, deve ater-se aos dispositivos constitucionais do Artigo 170 da CF/88. É livre a iniciativa, desde que obedecido o princípio de respeito ao consumidor, ao direito do trabalho, ao meio ambiente, à dignidade da pessoa humana e, ainda aí, o principio da função social da Empresa ou atividade econômica.

            Outro aspecto importante do então chamado Direito Civil-Constitucional que, como dito acima, preferimos como Direito Civil em chave hermenêutica constitucional, refere-se à pessoa humana. Vejamos. Na dimensão privatística, a pessoa não passa de sujeito de direito e de obrigações. A pessoa no Direito Civil e Processual Civil, ainda que natural, anda ao lado da pessoa jurídica e da personalidade anômala. São sujeitos de direito! Mas, com o advento da Constituição Federal de 1988, descortinou-se outra dimensão, um quarto conceito, mais amplo, de pessoa: a pessoa humana.

            Agora, não apenas há uma pessoa humana, mas a mesma carrega consigo, intrinsecamente, a dignidade. A Constituição trata isso como princípio fundamental para a manutenção do próprio Estado Democrático de Direito (Artigo 1º, III, CF/88). Diante da CF/88, há as pessoas, sujeitos, e há, agora, a pessoa humana, cujo conceito e amplitude é muito maior. Tão maior que influenciou o texto do Novo Código Civil (2002), trazendo dispositivos como os que se referem aos Direitos da Personalidade.

            É a mesma dignidade da pessoa humana, consagrada na Constituição, que abrirá caminho para a compreensão das obrigações no modo humano ou, se quisermos, a humanização das relações obrigacionais. Um dos efeitos deste fenômeno de constitucionalização das relações privadas verifica-se nos bens penhoráveis e, acima de tudo, na Lei 8009/90 (posterior, portanto, à CF/88) cujo texto é fruto da humanização. Agora, embora o direito do credor deva ser respeitado, o mesmo credor segue os passos de uma ética constitucional quando deve fazer valer o seu direito.(7)

            Como outro exemplo desse processo de constitucionalização do direito privado, ou de nova hermenêutica constitucional para o direito privado, até mesmo a Usucapião (familiar) prevista no (novo) Artigo 1240-A, do CC/02, foi pensada e implementada com base na dignidade (constitucional) da pessoa humana. Não se podia mais suportar, por conta de questões religiosas, que uma pessoa abandona (no sentido jurídico do termo), tivesse que amargar, não apenas o próprio abandono, mas, depois, ainda a perda ou supressão parcial dos bens, mormente imóveis para moradia. Aqui se juntaram dois princípios constitucionais: dignidade da pessoa humana e direito à moradia (ambos compondo o contexto dos direitos fundamentais).

            Uma das áreas, tradicionalmente civilísticas, que mais sentiu a influência da Constituição, foi a do Direito de Família. Hoje, chamada de Direito das Famílias,(8)  ainda por constitucionalização do termo, esta área incorporou textos constitucionais completos, ampliou o reconhecimento dos vários núcleos familiares, estabeleceu o afeto como valor jurídico e, a partir daí, passou a caracterizar as relações socioafetivas, inimagináveis em outras épocas!

            Por exemplo, o que era concubinato (com todo o preconceito desse termo) tornou-se união estável no Artigo 226 da CF/88. Se o concubinato trazia dissabores aos pares, com forte julgamento negativo por parte da sociedade, a união estável foi alçada à dignidade matrimonial.

            O mesmo se diga dos filhos, anteriormente discriminados pelas formas mais abusivas, são considerados, hoje, em pé de igualdade. Todos os filhos são iguais, proibidas quaisquer discriminações. É o que dispõe a CF/88, o Código Civil e o ECA – Estatuto da Criança e Adolescente. Todos esses instrumentos legais são posteriores à CF/88 e por ela influenciados.

            Os exemplos se multiplicam, mas o objetivo do presente texto é dar um sinal a título de estímulo ao debate, e, claro, não esgotar os temas, uma a um. Por isso mesmo, finalizamos apontando um critério de pensamento, de pensar (do latim, pensare, isto é, colocar nos pratos da balança). Se não se pode falar em Direito Civil-Constitucional, mantida a natureza do Direito Civil, não obstante não se pode mais falar apenas Direito Civil. Urge um conceito que tenha como referência o Direito Civil em chave constitucional, ou um Direito Civil no contexto da Constituição.

© Pietro Nardella-Dellova

 

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS DAS CITAÇÕES

(1)     O presente texto pode ser livremente utilizado desde que citada a fonte e atribuídos os créditos ao autor.

(2)     Dados do autor ao final do texto

(3)     Luis Rodolfo Argüello. Manuel de Derecho Romano. 3ª ed., Buenos Aires: Astrea, 1997, p. 5;

(4)     Luiz Edson Fachin. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. 2ª ed.. RJ: Renovar, 2006, p. 2;

(5)     Gustavo Tepedino. Temas de Direito Civil. Tomo II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 384-385

(6)     Caio Mario da Silva Pereira. Instituições de Direito Civil. Introdução ao Direito Civil – Teoria Geral do Direito Civil. Vol. I. 29ª edição revista e atualizada por Maria Celina Bodin de Moraes. Rio de Janeiro: Forense/Gen, 2016, p. 20;

(7)     Glaucia Correa Retamozo Barcelo Alves: “Sobre a Dignidade da Pessoa”, in Judith Martins-Costa (org.): A Reconstrução do Direito Privado, São Paulo: RT, 2002, p. 2015 e segs.;

(8)     Importante obra neste sentido: Maria Berenice Dias. Manual de Direito das Famílias. 11ª edição. São Paulo: RT, 2016;

 

NOTA BIOGRÁFICA DO AUTOR


Pietro Nardella-Dellova é Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, UFF, e Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da USP – Universidade de São Paulo; é Doutor e Mestre em Ciência da Religião pela PUC/SP; é Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil; é Pós-graduado em Literatura; é Formado em Filosofia pela FECS, e é Bacharel em Direito pela FDSBC. É membro efetivo da Comissão de Direito e Liberdade Religiosa da OAB/SP – São Paulo; Membro da Comissão de Notáveis da OAB/BC, Balneário de Camboriú, Santa Catarina; Membro da “Accademia Napoletana per la Cultura di Napoli”, Nápoles, Itália; Associado ao Grupo Martin Buber, de Roma, para o Diálogo entre Israelenses e Palestinos; Associado ao Grupo “Judeus Pela Democracia” (Israel, USA e Brasil). É Autor de vários livros, entre os quais, Antropologia Jurídica (2017); Direito, Mito e Sociedade (2021) e Pierre Proudhon e o Direito Civil: Teorias da Propriedade como “droit d’aubaine” e como função libertária (2021). É autor de centenas de artigos e pareceres jurídicos; é Poeta, com vários livros de Poesia publicados, e membro da UBE – União Brasileira de Escritores (São Paulo), assim como da Accademia Napoletana (Napoli). Em 2004, criou e coordenou o CPPJ – Centro de Pesquisa e Prática Jurídica “Prof. Goffredo Telles Jr.”. Em 2011 criou e coordenou o Grupo de Estudos e Pesquisas NUDAR – Teorias Críticas Aplicadas ao Direito Privado. É Pesquisador do Grupo de Pesquisa TC TCLAE CNPq, e Coordenador, no mesmo Grupo, da Linha de Pesquisa “Direito Civil Constitucional, Teorias Críticas e Educação Jurídica”. É Pesquisador do Grupo de Pesquisa VEREDAS PUC/SP-CNPq. É Professor, desde 1990, de Literatura, Direito Civil, Filosofia, Direito Processual Civil e Direitos Humanos em vários cursos (graduação e pós-graduação), entre os quais, Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Direito Padre Anchieta, ESA – Escola Superior da Advocacia, Pós-graduação em Direito da UNIMEP; EMERJ – Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Atuou como Professor visitante (2011-2013) na Faculdade de Direito da USP, abordando o tema “Direito Hebraico Comparado”. É Pesquisador bolsista CAPES/FUNDASP no Programa de Estudos Pós-graduados da PUC/SP. Atualmente, além das atividades docentes no Brasil, desenvolve estudos e pesquisas em New York, USA.

Contato: pietrodellova2014@gmail.com



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