LEGADO JUDAICO
(por Pietro N-Dellova)
Foi-me perguntado certa vez, e me recordei disso hoje ao dialogar com um Professor, se no Judaísmo "pregamos" alguma Teologia. À época respondi, e hoje reafirmei, que no Judaísmo não pregamos coisa alguma e que, no mais das vezes, sequer há uma Teologia. Aliás, sequer há um Theos (essa perturbação greco-romana!) em função do qual se possa realmente criar uma Teologia. Judaísmo é outra coisa!
Mas, se não pregamos coisa alguma, se não há realmente uma Teologia e, na perspectiva judaica, as "Forças da CrEação" (com "e" mesmo) não exigem qualquer tipo de propaganda e, muito menos, incentivo à "conversão", qual o legado judaico?
O primeiro, e talvez maior legado, é a responsabilidade com o processo de humanização, com os movimentos emancipatórios e, também, com os Direitos Humanos. A vida judaica, e o modo de ser judaico, não passam por "cartilhas", "catequeses" ou "escolas dominicais". Não se trata de "fé", mas de experiência histórica.
E, por isso mesmo, em face desta experiência histórica milenar quase sempre de caráter libertário, de quebra de correntes e de luta pela vida, cada Judeu carrega uma responsabilidade com a defesa inegociável de cada um dos mais simples direitos humanos (se é que podemos dizer que algum direito humano seja mesmo simples!). Para um Judeu defender qualquer bandeira "direitista" e "apoiar" qualquer fascistoide é preciso que tenha se esvaziado de uma tradição e esteja, não no sentido religioso, mas no sentido cultural, assimilado até os ossos de tudo o que não presta no mundo capitalista, capitalista financeiro, no comunismo autoritário e nacionalismos exterminadores.
Enfim, eu consigo negar qualquer "Força da CrEação". Eu consigo me opor a qualquer divindade. Eu consigo me recusar a falar de qualquer "Deus" ou, se quiserem, "D-us", mas, não consigo negar a escravidão do Egito, os Amalequitas, a Babilônia, os Medo-Persas, Hamã, os Romanos, A Igreja Católica (antissemita), Lutero (antissemita), os Pogroms, as Expulsões espanholas, as Perseguições luteranas, o Fascismo, o Nazismo, o Stalinismo... São estes fatos que me fazem "Judeu", e por conta deles, me posicionar como "Judeu"!
Não é apenas pelo direito do Judeu viver, mas pelo direito de qualquer pessoa viver, e viver na plenitude de sua humanidade - este é o legado judaico, e não uma qualquer Teologia! E, assim, para que qualquer pessoa viva, e viva na plenitude de sua humanidade, é na Esquerda (nunca na Direita!) que encontramos saída. O máximo que é permitido a um Judeu descer e ter como base, tendo em vista sua história, é no contexto dos Direitos Humanos (que não é a certeza de plena humanidade, mas um ponto de partida para todos e todas!).
[Pietro Nardella-Dellova]
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